Differential diagnosis of patients with chronic pain: heuristics and biases
Diagnóstico diferencial de pacientes com dor crônica: heurística e vieses
Juliana Barcellos de Souza
Assessing a healthy patient with acute abdominal pain and concluding their diagnosis after anamnesis, clinical examination and perhaps laboratory tests is commonplace in a hospital emergency environment. However, biases negatively influence this decision-making in outpatient consultation environments in cases of patients with chronic pain. A real case: a 54-year-old married woman, off work due to diffuse pain, diagnosed with fibromyalgia, irritable bowel syndrome, body mass index of 18 kg/cm, consults a doctor complaining of persistent pain and changing pain patterns in the right iliac fossa, confirms that she has always had episodes of pain in this area but that the pain has become more intolerable in the last three or four months. She also reported pain in the medial, anterior and lateral areas of the right hip, as well as in the lumbar, sacroiliac, cervical, left upper limb and plantar regions. The doctor decided to order an imaging test and eureka! A diagnosis of appendicitis was confirmed.
The satisfaction of the clinical diagnosis established in a “clouded” clinical case is undeniable, but situations like this are not commonplace. Beyond heuristic thinking and bias control, diagnosing an acute illness with signs and symptoms similar to those of the patient with diffuse chronic pain is almost like an outlier, an exception.
Patients with chronic pain have complex clinical manifestations, and their clinical examination is rarely described by a specific and limited scenario. The diseases associated with chronic pain have a significant psychosocial impact that influences the interpretation of signs and symptoms. The need to include the multi-dimensionality of pain in the assessment is supported by the inclusion of complementary codes from the International Classification of Diseases (ICD-11).
Anamnesis and clinical assessment expose the variability of the pain characteristics, descriptors, indexes, intensity and location, usually with mood disorders, sleep disorders, concentration and memory difficulties, food intolerance or digestive problems, as well as other associated symptoms and diseases. Despite the similarity in the persistence of pain, it is essential to remember that patients diagnosed with chronic pain are heterogeneous.
In Brazil, the highest prevalence of chronic pain is in the lumbar region and joint pain (rheumatoid arthritis or osteoarthritis), followed by musculoskeletal pain, headaches, neuropathic pain and fibromyalgia. According to data from before the COVID-19 pandemic, 15% of Brazilians had described the location of their pain as diffuse. These may represent the group of patients with the greatest difficulty in making a differential diagnosis in situations of acute pain, or “new complaint of pain”. The history of chronic pain could be classified as a confounding variable in the patient’s clinical assessment. Although chronic pain does not represent a risk factor for acute conditions such as appendicitis, cholecystitis and renal lithiasis, it is possible to recognize some obstacles in the heuristic evaluation of a patient with comorbidities of irritable bowel syndrome, fibromyalgia or even chronic low back pain. Age, gender, lifestyle habits and genetic factors are among the risk factors for these acute conditions.
The long path in search of treatment and diagnosis with long periods of doctor appointments, tests and assessments can corroborate low expectations about health services, avoiding consultations, as well as aggravating psychosocial aspects associated with pain/illness. Despite alarming data on costs, in Brazil, approximately 8% of patients with chronic pain interviewed before the pandemic no longer sought consultation due to pain.
Dissociating the complaint of new pain from a patient with chronic pain involves several stages in the care process: (1) the patient realizing that they need to consult, (2) health professionals who follow the patient regularly should encourage or reassure them about seeking a different diagnosis, (3) the attending physician and/or (4) the emergency physician.
In the process of looking for help, pain is one of the main reasons for making a doctor appointment, but when the pain is persistent, the reason for the consultation is more associated with the intensity or a change in the pain characteristics. It is estimated that patients with chronic pain who usually or not at all seek consultations with physicians are motivated by the perception of good symptom management or by fear of judgment, making their complain of pain an impossibility.
International guidelines for the treatment of chronic pain recommend an emphasis on pain education (for example: understanding that chronic pain is not associated with an injury or acute illness), patient comfort and safety in treatment with a multidisciplinary team. It is estimated that being welcoming, guiding and making explanations about chronic pain will encourage the necessary lifestyle changes to improve the patients’ quality of life. Unfortunately, having a diagnosis of chronic pain is not a protective factor against other diagnoses, or other diseases or situations that require medical evaluation and intervention. There is a gray area between “understanding chronic pain” and “noticing a change in the pain pattern”, as well as between negligence and hypervigilance. Patients with chronic pain can - and should - have regular assessments for early diagnosis of other health conditions, as they can also be affected by acute situations. The patient’s chronic pain should not mask the anamnesis and clinical assessment.
Resumo
Avaliar um paciente hígido com quadro de dor abdominal aguda e concluir seu diagnóstico após anamnese, exame clínico e quiçá exame laboratorial é um fato corriqueiro em ambiente de emergência hospitalar. Entretanto, vieses influenciam negativamente essa tomada de decisão em ambiente de consulta ambulatorial com pacientes com dor crônica. Fato real: mulher, 54 anos, casada, afastada do trabalho por dor difusa, com diagnóstico de fibromialgia, síndrome do colón irritado, índice de massa corporal de 18 kg/cm, consulta médico por queixa de persistência e mudança no padrão das dores da fossa ilíaca direita, confirma que sempre teve episódios de dor nesta região mas a dor estava mais intolerável nos últimos três ou quatro meses. Também relata dor em região medial, anterior e lateral de quadril direito, dor em região lombar, regiões sacroilíacas, cervical, membro superior esquerdo e plantar. O médico-clínico optou por solicitar um exame de imagem e eureka! Diagnóstico de apendicite confirmado.
A satisfação do diagnóstico clínico estabelecido em um caso clínico “nebuloso” é inegável, mas situações como esta não são corriqueiras. Além do pensamento heurístico e o controle de vieses, diagnosticar uma doença aguda com sinais e sintomas semelhantes ao do paciente com dor crônica difusa é quase como um outlier, um ponto fora da curva.
O paciente com dor crônica apresenta manifestação clínica complexa, raramente seu exame cínico é descrito por um quadro específico e limitado. As doenças associadas à dor crônica apresentam significativo impacto psicossocial que influencia a interpretação de sinais e sintomas. A necessidade de incluir a multi-dimensionalidade da dor na avaliação é apoiada inclusive pela inclusão de códigos complementares na Classificação Internacional de Doenças (CID-11).
A anamnese e avaliação clínica expõem a variabilidade de características da dor, descritores, índices, intensidade e localização, geralmente com distúrbios do humor, distúrbios do sono, dificuldade de concentração e de memória, intolerância alimentar ou problemas digestivos, além de outros sintomas e doenças associadas. Apesar da semelhança na persistência da dor é fundamental recordar que pacientes diagnosticados com dor crônica são heterogêneos entre si.
No Brasil, a maior prevalência de dores crônicas está na região lombar e em dores articulares (artrite reumatoide ou osteoartrite), seguidas por dor musculoesquelética, cefaleias, dor neuropática e fibromialgia. De acordo com dados anteriores à pandemia do COVID-19, 15% dos brasileiros descreviam a localização da dor como difusa. Esses talvez representem o grupo de pacientes de maior dificuldade para o diagnóstico diferencial em situações de dor aguda, ou “nova queixa de dor”. O histórico de dor crônica poderia ser classificado como uma variável de confusão à avaliação clínica do paciente. Embora a dor crônica não represente um fator de risco a condições agudas como apendicite, colecistite e litíase renal, reconhece-se alguns obstáculos na heurística da avaliação de um paciente com comorbidade de síndrome do cólon irritado, fibromialgia ou mesmo lombalgia crônica. Idade, sexo, hábitos de vida e fatores genéticos estão entre os fatores de risco para essas condições agudas.
A odisseia em busca de tratamento e de diagnóstico com longos períodos de consultas, exames e avaliações pode corroborar a baixa expectativa nos serviços de saúde, evitando consultas, assim como pode agravar aspectos psicossociais associados à dor/doença. Apesar de dados alarmantes nos custos, no Brasil, aproximadamente 8% dos pacientes com dor crônica entrevistados antes da pandemia não consultavam mais por causa da dor.
Dissociar a queixa de nova dor de um paciente com dor crônica envolve várias etapas do processo de cuidado: (1) o paciente perceber que precisa consultar, (2) profissionais de saúde que acompanham o paciente com regularidade devem estimulá-lo ou reconfortá-lo sobre a busca de diagnóstico diferencia, (3) o médico assistente e/ou (4) o médico da emergência.
No processo de busca de ajuda, a dor é um dos principais motivos para a consulta médica, porém, quando a dor é persistente, o motivo da consulta está mais associado a intensidade ou uma mudança nas características da dor. Estima-se que os pacientes com dor crônica que consultam pouco ou não consultam sejam motivados pela percepção de bom manejo dos sintomasou por receio de julgamentos, inviabilizando a sua queixa de dor.
As diretrizes internacionais para o tratamento da dor crônica recomendam a ênfase na educação em dor (por exemplo: compreender que a dor crônica não está associada a uma lesão ou doença aguda), reconforto e segurança do paciente no tratamento com equipe multidisciplinar. Estima-se que o acolhimento, a orientação e as explicações sobre a dor crônica favoreçam as mudanças necessárias no estilo de vida para melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Infelizmente, ter diagnóstico de doença com dor crônica não é um fator de proteção a outros diagnósticos, nem outras doenças ou situações que requerem avaliação e intervenção médica. Há uma área cinza entre “compreender a dor crônica” e “perceber uma mudança no padrão da dor”, assim como entre a negligência e a hipervigilância. Pacientes com dor crônica podem - e devem - fazer avaliações periódicas para diagnóstico precoce de outras condições de saúde, como também podem ser acometidos por situações agudas. A dor crônica do paciente não deve mascarar a anamnese e avaliação clínica.
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