Implications of the IASP’s new definition of Pain: time for new paradigms and rescuing its meaning
Implicações da nova definição de Dor da IASP: tempos para novos paradigmas e o resgate de seu significado
Dirce Maria Navas Perissinotti, Jamir Sardá Junior, Walter Lisboa de Oliveira, Fabrício Fernandes Almeida, Virginia Turra, Andrea Golfarb Portnoi
Dear editor,
Approximately 41 years ago, the International Association for the Study of Pain (IASP) proposed a concept of pain that aimed to standardize its definition so that it could be employed in various contexts. In July 2020 a final updated definition was presented to the scientific community, which was translated into Portuguese by the Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED - Brazilian Society for the Study of Pain).
Theoretical definitions usually guide practices, manuals and academic curriculums, whose importance lies in their conceptual derivations and implications, reflecting in the professional practice. This results in variations in the understanding of pain and the related diseases and suffering.
The objective of this editorial was to pinpoint some considerations about this conceptual update, considering the notes on the discussion and relevance of the concepts of pain, specially while a subjective perception phenomenon, in the social and psychological contexts of its etiology and implications.
Based on the proposal of Merskey et al. of the definition of pain and despite the divergence of several theorists and researchers, the word pain has been used in several languages to refer to both the nociceptive system and its perception and behavioral response. We understand that scientific definitions are adaptable and flexible instruments subject to cultural and social circumstances influenced and resulting from individual and community behavior. Like any other instrument, the art of its good appliance is not in merely employing it, but to do it in a skillful way.
We understand that this new taxonomy, among other judicious demands, requires a change of paradigm.
Forty decades have gone by and although some new terminology proposals have arised and evidences have pointed in the direction of falsifiability or mishaps of the definition and its theoretical and ethical limitations, the development of a new unanimous terminology has not been an easy task. The higher goal for which so much work is being invested can only be guaranteed by the special attention of those who will use the new definition.
The development of this endeavor through extensive investment by the Task Force has promoted long theoretical, linguistic and ethical discussions emphasizing that the new definition should be applicable to all populations, including animals, as well as contemplate the disciplinary, subjective and psychological and social dimensions.
Although public consultations with the community, discussions and reflections on conceptual changes at first not seem significant to many people, they are, because they further emphasize the presence of behavioral, psychological and social elements based on the development of knowledge in recent decades, especially that related to behavioral sciences.
The new taxonomy includes a binary conceptual dimension that covers both the neuroplastic and epigenetic perspectives, even if implicit. This is indispensable, since the pain phenomenon always includes both perspectives and, many times, one of them ends up being forgotten.
If on the one hand there is an advance in the extended understanding of pain, there is also the defense of a more “objective” criteria, based on biological or organic components and phenomena. This defense, however, to us seems to be based on the illusory guarantee of absolute control over pain, ignoring that a “control” is only possible by respecting the nature of the pain phenomenon: subjective, influenced by various factors, subject to the quality of decisive vital experiences, and of adaptive role. It’s also important to consider that the verbal description of pain is as or more important than the pure description of data that surrounds it.
It is worth noting that Psychology, a science of behavior, has already developed very objective methods of measuring variables and currently provides elements to other fields of knowledge, provided they are used by agents with adequate background.
It seems to us that the IASP, with this new definition, besides emphasizing pain as an experience broader than physiopathology allows, retakes the path that may have been lost as a result of the advancement of technology or of purely biological isolated intervention measures. These, undoubtedly, have their importance, however, some professionals, even due to the difficulty in understanding their principles, end up leaving aside other relevant factors.
Given these brief remarks, would it be pertinent to reconstruct our biopsychosocial pain model as well? We understand that it would.
We hope that in terms of public policies the new definition of pain and the inclusion of the pain concepts in the International Classification of Diseases (ICD-11) may reflect more directly on clinical practices and manners of pain treatment, as well as the inclusion of courses that address the subject of pain in the curriculum of health undergraduates, also mobilizing the class of psychologists to act more vehemently in the field.
Resumo
Senhor editor,
Há aproximadamente 40 anos, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) propôs um conceito de dor que visava normatizar sua definição de maneira que a padronização pudesse ser empregada em diversos contextos. Em julho de 2020 foi apresentada à comunidade científica uma última definição atualizada, cuja tradução para o português foi feita pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED).
As definições teóricas costumam nortear práticas, manuais e currículos acadêmicos, cuja importância reside em suas derivações conceituais e implicações, as quais refletem na prática profissional. Isso resulta em variações na forma de compreensão da dor, assim como das enfermidades e sofrimento relacionados.
Este editorial pretendeu apontar para algumas reflexões sobre essa atualização conceitual, considerando suas notas nas discussões e a relevância dos conceitos de dor, notadamente enquanto fenômeno de percepção subjetiva, em contextos sociais e psicológicos da sua etiologia e implicações.
A partir da proposta de Merskey et al. da definição de dor e a despeito da divergência de diversos teóricos e pesquisadores, a palavra dor tem sido utilizada em vários idiomas para se referir tanto ao sistema nociceptivo quanto à sua percepção e resposta comportamental. Compreendemos que definições científicas são instrumentos adaptáveis e flexíveis sujeitos às circunstâncias culturais e sociais influenciadas e resultantes do comportamento individual e comunitário. Assim como qualquer outro instrumento, a arte de sua boa aplicação não está em simplesmente empregá-lo, mas sim em fazê-lo de maneira habilidosa.
Entendemos que esta nova taxonomia, dentre outras demandas criteriosas, exige uma mudança de paradigma.
Pouco mais de quatro décadas se passaram e embora algumas novas propostas de terminologia tenham surgido e evidências tenham apontado em direção à falseabilidade ou percalços da definição, suas limitações teóricas e éticas, o desenvolvimento de uma nova terminologia de forma consensual não tem sido uma tarefa fácil. O objetivo maior para o qual tanto trabalho vem sendo investido só poderá ser garantido pela atenção especial daqueles que utilizarão a nova definição.
O desenvolvimento dessa empreitada por meio de amplo investimento da Força Tarefa dispendeu de longas discussões teóricas, linguísticas e éticas enfatizando que a nova definição deveria ser aplicável a todas as populações, incluindo animais, assim como contemplar os aspectos nociplásticos, subjetivos e as dimensões psicológicas e sociais.
Apesar de consultas públicas à comunidade, discussões e reflexões acerca de mudanças conceituais a princípio não parecerem significativas para muitos, elas o são, pois enfatizam ainda mais a presença de elementos comportamentais, psicológicos e sociais baseados no desenvolvimento do conhecimento das últimas décadas, especialmente o relacionado às ciências do comportamento.
A nova taxonomia inclui dupla dimensão conceitual que abrange tanto a perspectiva neuroplástica como epigenética, ainda que de forma implícita. Isso é de fundamental interesse, uma vez que o fenômeno doloroso sempre inclui ambas perspectivas e, muitas vezes, uma delas acaba sendo esquecida.
Se por um lado existe um avanço na compreensão ampliada da dor, existe também a defesa por um critério mais «objetivo», pautado em componentes e fenômenos biológicos ou orgânicos. Essa defesa, no entanto, parece-nos estar pautada na garantia ilusória de controle absoluto sobre a dor, esquecendo-se que um «controle» só é possível ao se respeitar a natureza do fenômeno doloroso: subjetiva, influenciada por vários fatores, sujeita à qualidade das experiências vitais decisivas, e de papel adaptativo. Também é importante considerar que a descrição verbal da dor é tão ou mais importante do que a descrição pura de dados que a envolve.
Vale lembrar que a Psicologia, ciência do comportamento, já desenvolveu métodos bastante objetivos de mensuração de variáveis e atualmente fornece elementos às demais áreas do conhecimento, desde que sejam utilizados por agentes com formação adequada.
Parece-nos que a IASP, nessa nova definição, além de salientar a dor como uma experiência mais ampla do que permite a fisiopatologia, retoma o caminho que talvez tenha se perdido em decorrência do avanço da tecnologia ou mesmo de medidas de intervenção puramente biológicas isoladas. Estas, sem dúvida, têm a sua importância, contudo, alguns dos profissionais, até por dificuldade de compreensão dos seus princípios, acabam deixando de lado outros fatores relevantes.
Diante destas breves pontuações, seria pertinente reconstruir também nosso modelo biopsicossocial de dor? Entendemos que sim.
Esperamos que em termos de políticas públicas a nova definição de dor e a inclusão dos conceitos sobre dor na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) possam refletir mais diretamente nas práticas clínicas e formas de tratamento da dor, bem como na inclusão de disciplina que aborde o tema dor nas grades curriculares dos cursos de graduação na área de saúde, mobilizando também a categoria dos psicólogos para atuar de forma mais veemente na área.